Overland Nepal
1 ano antes do terramoto, o Nepal apaixonava-me.
Quase 1 ano depois enchi-me de vontade e decidi finalmente fazer o álbum da viagem ao Nepal. Por essa altura, um amigo percorria as ruas de Kathmandu e presenteava os amigos com as fotografias que apenas o talento permite.
Estava quase terminado o álbum quando o chão tremeu no Nepal. Foi no dia da liberdade em Portugal que os nepaleses se viram num dos seus piores pesadelos recentes, vítimas do mais violento terramoto em 700 anos: 7.9 na escala de Richter.
Praticamente tudo quanto vira e adorara então, há 1 ano atrás, estava agora em ruínas, reduzido a um monte de tijolos indistintos e sob uma nuvem omnipresente de poeira que sufoca a cidade, sem água nem luz.
Transformou-se este álbum num tributo, quando começara como uma celebração de vida e exotismo. As imagens que o constroem não existem mais. O Nepal voltará a erguer-se, cambaleante. Encontrará a força dos Gurkhas e olhará para cima para encontrar ânimo, deixando as oferendas nos poucos templos que sobreviveram.
Bandipur
O caminho até Bandipur é feito em curvas por entre a floresta, numa estrada de montanha.
A aldeia, essa faz-se a pé e tudo o que tenha motor fica lá fora. É uma terra fora de série em todo o Nepal.
No alto do monte cimeiro da aldeia um templo promete um nascer do Sol com vistas sobre o acidentado vale que envolve Bandipur. Lá em baixo as crianças brincam no pátio da escola; treinam em conjunto os movimentos aprendidos do karaté, e o que começara em grande disciplina de arte marcial acaba em regabofe enquanto se filmam com as nossas câmaras.
Em vez dos hotéis, as famílias recebem os visitantes em suas casas. Abrem-lhes as portas e oferecem a comida, servida à luz de 2 velas numa cozinha que é a sala de estar da família. Bindra, uma jovem nepalesa de 16 anos, é a nossa anfitriã. A mãe cozinha, incapaz de conversar connosco por não falar inglês e o nosso nepalês ser ainda pior.
Preparou-nos Dal Bhat, o mais nepalês de todos os pratos, porventura: servido numa bandeja, o arroz branco e o caldo de lentilhas são acompanhados de legumes salteados e um caril, todos em pequenas malgas metálicas. Termina com iogurte, a única porção comida com talheres. Quando a electricidade regressa, Bindra liga a luz, apenas para a voltar a desligar a nosso pedido, preferindo o ambiente acolhedor e envolvente que a ténue luz da vela nos dá. As últimas horas da noite ainda são de trabalho para as costureiras da aldeia. As portas abertas de par em par constroem um quadro onde a figura central, iluminada pela vela, se debruça sobre a máquina de costura.
O seu bater ritmado é o único som que ousa perturbar o silêncio da aldeia.
Na manhã seguinte, juntam-se para abençoar a viagem. Mães e filhas desenhadas na pureza das feições asiáticas, vestem-se de cores alegres e sorrisos contagiantes. Por baixo do capacete, levamos connosco a marca na testa e uma pequena flor presa no saco de depósito.
(continua)
(excerto)